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Envelhecimento: Na saúde, as doenças crônicas não transmissíveis se tornam uma carga crescente

 
Longevidade tem forte impacto nas políticas públicas
 
Gleise de Castro
Para o Valor, de São Paulo
 
O processo de rápido envelhecimento da população mundial, em decorrência da contínua e acelerada redução da fecundidade e mortalidade, tem profundo impacto nos serviços de saúde e na gestão hospitalar. Graças ao avanço da medicina, as pessoas estão vivendo mais e, ante as demandas urbanas, as famílias estão cada vez menores.
 
O principal problema são as doenças crônicas não transmissíveis, que representam a maior causa de mortes entre pessoas idosas, tanto em países desenvolvidos, quanto em desenvolvimento, e são também responsáveis pela perda de capacidade funcional, maior dependência, maior demanda de cuidados, maior taxa de institucionalização e menor qualidade de vida nessa faixa crescente da população. Entre essas doenças estão artrite, diabetes, hipertensão, problemas cardíacos e câncer. Para os hospitais, o aumento da carga de doenças crônicas significa aumento da demanda por leitos e internações de longa permanência.
 
No Brasil, a taxa de fecundidade caiu de 2,4 filhos por casal, em 2000, para cerca de 1,8 filhos, em 2008, e o censo do IBGE de 2010 apontou uma expectativa de vida média de 73,4 anos, ante 70,4 anos em 2000. A faixa da população brasileira com 60 anos ou mais já atinge 10,8%. Na cidade de São Paulo, surgem 150 novos centenários a cada ano. Em 2010, eles já somavam 24.236 pessoas. "Estamos no meio de uma revolução demográfica. Pela primeira vez na história, as pessoas com 65 anos ou mais vão sobrepassar as crianças de menos de cinco anos", afirmou a professora dra. Maria Lúcia Lebrão, do Departamento de Epidemiologia, da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), no seminário O Envelhecimento Populacional e as Repercussões na Atividade Hospitalar e na Gestão da Assistência, promovido pela Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp), durante a Feira e Fórum Hospitalar 2013, em maio, em São Paulo.
 
Para a especialista, a longevidade representa uma das mais importantes conquistas do século passado, mas também um enorme desafio. A mudança demográfica provoca impacto em todas as políticas públicas, incluindo, além da saúde, as áreas da educação, família, trabalho, previdência e assistência. Na saúde, as doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) estão se tornando uma carga crescente. Das 52,8 milhões de mortes, em 2010, em todo o mundo, 34,5 milhões foram atribuídas a esse conjunto doenças. Já o número de anos de vida perdidos por doença, incapacidade e morte prematura relacionadas às DCNT aumentou de 43%, em 1990, para 54% do total, em 2010.
 
No município de São Paulo, segundo estudo do projeto Saúde, Bem-Estar e Envelhecimento (Sabe), coordenado pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), os principais problemas relatados pelas pessoas com 60 anos ou mais são hipertensão, doença articular, problemas cardíacos, diabetes, osteoporose, DPOC, embolia/derrame e câncer. Com exceção da DPOC, a incidência de todas elas aumentou significativamente entre 2000 e 2006. A hipertensão, por exemplo, passou de 53,3% para 62,4%, enquanto a doença articular aumentou de 31,7% para 33,8% e os problemas cardíacos cresceram de 19,5% para 22,6%.
 
Para enfrentar esse processo sem precedentes, generalizado e duradouro, é preciso repensar o modelo de atenção à pessoa idosa, incorporando novas estratégias e novas perspectivas de cuidados, propôs Maria Lúcia. O centro da atenção deve deixar de ser a doença e passar a contemplar o idoso, com envolvimento da família, do cuidador e da comunidade.
 
O atendimento e apoio devem incluir centros-dia e centros-noite, cuidadores profissionais, cuidadores comunitários e hospitais com leitos para pacientes crônicos temporários, entre outras medidas. É preciso também investir para prevenir os problemas que vão afetar as pessoas quando se tornarem idosas. Não é à toa que as metas do milênio da ONU, para controle e prevenção dessas moléstias até 2025, são aceleração do controle do tabaco, redução do consumo de sal, tratamento de pessoas de alto risco de doença cardiovascular, redução do consumo de álcool e da inatividade física.
 
"O maior receio de um idoso é ficar dependente. Essa é uma questão que nos aflige", comentou Maria Lúcia Lebrão. Segundo ela, o ponto de virada é após os 70 anos, quando o idoso se torna mais frágil, condição que também favorece a hospitalização. Com o envelhecimento da população, a questão importante nessa fase da vida é quem pode cuidar do idoso. "O Estatuto do Idoso diz que é a família. Mas as famílias só são capazes de suprir 50% das necessidades do idoso. O cuidado tem que ser compartilhado com o Estado, porque as famílias têm menos filhos, aumentando a sobrecarga para os cuidadores familiares", explicou.
 
Para Maria Lúcia, alternativas importantes são os centros-dia, locais de convivência e apoio a pessoas com 60 anos ou mais, e o Programa de Acompanhantes de Idosos, do município de São Paulo.
 
Os impactos do envelhecimento, segundo Marília Prado Louvison, pesquisadora da Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo, que também participou do seminário, estão sendo sentidos especialmente pelos países em desenvolvimento, que ainda não contam com sistemas de saúde compatíveis com as necessidades de suas populações. Os países desenvolvidos, apesar da crise econômica, já alcançaram patamares mais estáveis de envelhecimento populacional e dispõem de redes de cuidados consolidadas. Segundo a pesquisadora, o aumento das doenças crônicas é o que mais impacta os custos da saúde. "A bomba é o diabetes, que vai explodir em custos de diálise, transplantes e doenças."
 
Interior paulista vai ganhar dois centros
 
Maria Lúcia: centro da atenção deve deixar de ser a doença e passar a contemplar o idoso, a família e o cuidador
 
Dois hospitais adaptados para o atendimento especializado de idosos na região de Franca, interior paulista, estão prontos, aguardando apenas espaço na agenda do governador Geraldo Alckmin para ser inaugurados. As Santas Casas de Ipuã e de Pedregulho serão as primeiras unidades de um projeto de revitalização de hospitais de pequeno porte, com até 50 leitos, para atendimento específico de pessoas com 60 anos ou mais.
 
A Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo informa que outras quatro unidades devem ser revitalizadas nas regiões de Araçatuba, Presidente Prudente, São José do Rio Preto e Marília, áreas do Estado com maiores índices de envelhecimento. Elas devem ser inauguradas até o segundo semestre de 2014. Cerca de 11% da população do Estado, um total aproximado de 4,5 milhões de pessoas, são idosos e as projeções são de que esse percentual deve duplicar até 2050.
 
O investimento nesses seis hospitais será de R$ 4,6 milhões, para transformá-los em unidades de retaguarda para cuidados integrados e continuados a idosos, e de R$ 7,2 milhões anuais em custeio. A proposta dos hospitais de retaguarda é também oferecer programas de reabilitação para o autocuidado e cuidados paliativos, como em apoio aos quadros de fragilidade, síndromes de demências, estados pós-derrames e quedas. Terão prioridade os contratos administrativos e convênios de cooperação com Santas Casas e hospitais filantrópicos do interior.
 
Eles fazem parte do programa São Paulo Amigo do Idoso, lançado em maio do ano passado, com investimentos totais de R$ 29,6 milhões da Secretaria de Saúde. A intenção do governo de São Paulo é que os serviços a ser implantados sejam modelos de atenção ao idoso. Outro objetivo é incentivar os municípios a promover a melhora da qualidade de vida das pessoas com 60 anos ou mais, adaptando seus serviços para que sejam acessíveis aos idosos com diferentes necessidades.
 
O programa de São Paulo baseia-se no conceito de envelhecimento ativo, da Organização Mundial de Saúde (OMS), que preconiza independência, participação, assistência, autorrealização e dignidade e seu desenho contou com a participação do médico e pesquisador Alexandre Kalache, um dos coordenadores do programa de envelhecimento a OMS.
 
O programa também prevê a construção do Laboratório Centro-Dia Idoso (LCDI) no campus da USP Leste, com investimento de R$ 5 milhões. A unidade deverá prestar assistência a cerca de 300 idosos semidependentes, moradores da zona leste de São Paulo, com limitações físicas e/ou cognitivas, e também dar apoio às famílias.
 
O laboratório contará com um centro de ensino e pesquisa para formação de recursos humanos especializados e também com serviços de retaguarda, como os do Centro Dia Social e Atendimento Domiciliar, previsto para ser inaugurado no segundo semestre deste ano. O centro receberá repasses anuais de R$ 2,4 milhões da secretaria, para custeio.
 
O programa inclui ainda a criação de quatro novos Centros de Referência ao Idoso (CRIs), nas regiões de Ribeirão Preto, Campinas, ABC e Baixada Santista, que devem ser inaugurados até o segundo semestre de 2014, com investimento total de R$ 20 milhões e custeio anual de R$ 57,6 milhões. Os CRIs serão polos regionais para promover o envelhecimento ativo, com especialidades médicas, atividades educacionais, culturais e de lazer. Duas unidades estaduais já estão em funcionamento no município de São Paulo, na Zona Norte e o da Zona Leste. (GC)
 
 
Modelo de atendimento ao idoso precisa ser repensado
 
 
Os hospitais brasileiros, de maneira geral, não estão preparados para atender o novo perfil de pacientes, que chegam em número crescente aos atendimentos de urgência e emergência, o de pessoas idosas, muitas com 80 a 90 anos. Foi o que constatou a Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp), que vem promovendo seminários e debates sobre a questão desde o ano passado. Só em 2013 serão três seminários e um congresso internacional, em outubro. "Percebemos que era cada vez mais frequente a chegada dessas pessoas e elas não podem ter o mesmo fluxo dos demais pacientes. Elas demoram para andar, muitas usam cadeiras de rodas", diz Francisco Balestrin, presidente do conselho de administração da Anahp. "Começamos a entender que deveríamos ter um novo tipo de atendimento para elas. É uma transição na saúde."

Os hospitais, explica Balestrin, estão saindo de um momento em que predominavam pacientes mais jovens, com patologias mais simples, como traumas, para outro, formado por pacientes idosos e com maior incidência de doenças crônicas degenerativas, que fazem parte desse novo universo. A rede hospitalar também terá de passar por essa transição. A questão é como atender e em que espaço. "O espaço físico terá de ser remodelado e, como aumentou muito a base de pessoas idosas com problemas, elas precisam de leitos, de terapias intensivas e outros serviços", diz Balestrin.

Ele se queixa da falta de incentivos para que os hospitais privados possam se preparar para atender o novo público. "Faltam linhas de crédito, projetos incentivados e desoneração fiscal", enumera o executivo.

Para Elenara Ribas, gerente de risco assistencial do Hospital Mãe de Deus, de Porto Aletre (RS), a preparação para atender esse paciente com o cuidado necessário e rapidez envolve até a arquitetura. "Os corredores precisam ser largos, sem obstáculos. Os quartos não podem ter escadinha, banquinho", explica. A comunicação também precisa mudar. É preciso ser claro, os documentos informativos requerem letras grandes, é necessário o uso de sinais luminosos e o paciente precisa ser ouvido.

O Sistema de Saúde Mãe de Deus adota um ciclo de atendimento que inclui a casa do idoso, onde ele é atendido por um médico e o cuidado conta com participação da família. Em caso de um quadro agudo, ele é transferido para o atendimento de emergência, onde existe uma equipe formada por médico, enfermeiro, técnico de enfermagem, serviços diagnósticos e farmacêutico. Se precisar de cirurgia, seguirá para o bloco cirúrgico, que conta com um terceiro médico, outro enfermeiro, técnicos e farmacêutico. No CTI, será atendido por uma equipe de médicos, enfermeiros, técnicos, nutricionistas, psicólogos, dentista, fisioterapeutas e farmacêutico.

Na unidade de internação, encontrará o médico que o atende em casa, enfermeiros, técnicos de enfermagem, assistente social, psicólogo, fisioterapeuta e farmacêutico e, antes de voltar para casa, se necessário, passará pela reabilitação, com outra equipe formada por médico, fisioterapeuta e enfermeiro. Ao todo, em quatro a cinco dias de internação, terá contato com 60 profissionais. O cuidado segue protocolos e padrões simplificados, manejo de times assistenciais coordenados, decisão compartilhada, participação do médico, do paciente e da família.

 “A assistência ao idoso precisa de uma equipe de cuidado especializado para pacientes pulverizados, pois os idosos estão espalhados pelo hospital inteiro", afirma Ivana Lucia Correa Pimentel de Siqueira, superintendente de atendimento e operações do Hospital Sírio-Libanês, de São Paulo.

 “O time assistencial foi criado para atingir maior eficiência hospitalar." O desafio, segundo ela, é passar de um modelo que ainda é o de atender o adulto, para o de prevenção e, às vezes, paliativo. Para Ivana, a questão chega a ser cultural. "Os países europeus, como a Espanha, avançaram muito na desospitalização e no cuidado de pacientes crônicos, com equipes que vão em casa. Mas a cultura é diferente. A Europa tem a experiência do pós-guerra, por exemplo, além de uma população mais idosa." (GC)

 
Francisco Balestrin: “Espaço físico terá de ser remodelado; pessoas idosas com problemas precisam de leitos, de terapias intensivas e outros serviços”
 
 
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